Barulinho

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O cachorro.


E lá estava ele, deitado, estirado, mastigado, amassado, cuspido, escarrado, inojado, impuro. Parecia mais uma folha de papel, parecia algo sem contorno, sem escrúpulos por estar ali sujando a rua de toda a nossa gente que insiste em mentir orgulho de viver.



Ele era mais um objeto sem vida, ele era só resto. E atravessou meu caminho, ou melhor, algum carro atravessou o dele, antes. E tive de passar quatro vezes pelos restos do canino. Como se fosse apenas algo de pelúcia que foi esmagado.



E assim continuei passando, como todos os outros. Me perguntei no momento em que o vi, se existia ossos neste pobre coitado que a vida pôs ali. Afinal, eu só o via com a finura de uma folha de papel.




Provavelmente algum motorista passou por ele, e continuou, ou parou, ou não. Não se sabe. O fato é tão insignificante que minha vizinha que passa pelo mesmo caminho que eu, não notou. Ela também não deve ter notado a tristeza da velhinha que toda manhã passa por ali, e também não deve ter notado a labuta de quem pega o coletivo todos os dias para ir, geralmente, para onde não se quer.



Ele é tudo que não queremos ver, ele é tudo que não desejamos ter. O cachorro. Um simples cachorro, bastardo, filho de putas, de putos, filhos das putas, de bixas, padres, gente que se diz de bem, moralistas, meu filho, seu filho, nosso filho, filho da nossa pátria mãe gentil. Ele é o que não queremos ver, entretanto, é o que somos.




O cachorro é só um cadáver no meio da avenida, e nós já nascemos mortos, são poucos os que acordam e decidem nascer, para viver.